Mais ou menos isso que estamos testemunhando quando empresas e países ensaiam um segundo/terceiro retorno mais consistente à normalidade. Atenuado o perigo da contaminação, com a vacinação em massa.
Em verdade, já no ano passado, 2020, alguns governos decidiram estimular seus cidadãos a retomarem suas atividades profissionais e seus hábitos pessoais. Voltar organizadamente ao trabalho, para as ruas, compras, restaurantes, parques. Mas as pessoas resistiram.
Os que nunca deram muita importância aos riscos e mantiveram, sob o olhar dos outros um comportamento rebelde e irresponsável, seguiam na mesma e suposta irresponsabilidade. Mas, a maior parte supostamente responsável, que ouviu e obedeceu ao “fique em casa”, recusava-se, ou morria de medo de sair. Tipo gato escaldado tem medo de água fria.
O perigo maior, em tese já passara, mas as pessoas não acreditavam e permaneciam entocadas. E aí o New York Times decidiu conferir, por exemplo, as ações de encorajamento e motivação promovidas pelo governo britânico. E dentre essas, e para que as pessoas sentissem-se estimuladas a sair para a rua, o governo britânico, em meados do ano passado, decidiu pagar 50% das contas dos restaurantes.
A promoção teve como título: “Todos comendo nos restaurantes e lanchonetes”, e ocupou todo o mês de agosto. As ruas foram fechadas aos carros, as mesas foram para ruas e calçadas, e uma grande festa aconteceu no país, muito especialmente na capital, Londres. Nas primeiras três semanas de agosto de 2020 foram 64 milhões de refeições dentro da promoção, ou, programa, “Eat out to help out” – Coma fora para ajudar.
Naquele momento prevalecia o seguinte raciocínio. 1,8 milhões de pessoas trabalhavam na chamada indústria da hospitalidade, e, se essa roda não voltasse a girar, todas as demais e em diferentes proporções seguiriam trôpegas. Pelo inusitado da situação, e absolutamente incapaz de lidar com semelhante fenômeno, o governo britânico recorreu aos aconselhamentos dos profissionais e autoridades das ciências do comportamento.
Dentre outras pessoas, e na cobertura da ação promocional, o New York Times entrevistou Ivo Vlaev, da Warwick Business School, e que é, em tese, uma das maiores autoridades sobre o assunto. Segundo Ivo, e depois de meses entocados, e assimilando novos comportamentos, as pessoas precisam ser submetidas a consistentes estímulos para reconsiderar, e fazer um primeiro e novo movimento na direção contrária.
Assim, o agosto londrino da meia “boca livre” fazia todo o sentido. As pessoas voltariam a ter o gostinho dos prazeres de frequentar restaurantes, de comer bem, e de se confraternizarem com seus amigos.
Depois de algum tempo, e com a repetição sucessiva da ação, existiria uma forte possibilidade de se resgatar o comportamento anterior à pandemia. Em verdade, dizia Ivo, tão importante quanto fazer com que as pessoas perdessem o medo ou readquirissem confiança retornando ou redescobrindo as mesas dos restaurantes, era fazer com que deixassem suas tocas, casas, esconderijos e voltassem a sair.
O maior desafio, segundo Ivo, era convencer ou sensibilizar as pessoas a saírem de suas tocas. E depois, e num segundo momento, ficaria mais fácil e possível convencê-las a voltar ao trabalho. Meses depois da promoção veio uma nova onda e tudo voltou quase que a estaca zero…
É esse o desafio que espera por todos nós, brasileiros, quando conseguirmos acelerar na vacinação. Tirar a espada do medo sobre a cabeça de milhões de brasileiros que terão, enormes dificuldades, em ensaiarem e protagonizarem a volta.
Dentre todas as coisas que mais nos surpreenderam nesta pandemia, a todos nós, consultores da Madia, foi constatarmos como as pessoas, quase todas, têm medo. Muito medo. E como o fator medo talvez seja o maior condicionante no comportamento de todas as pessoas. Muito mais, mesmo, que a coragem…