Tag: #Nadir Figueiredo

Negócio

“Produtos não deveriam morrer jamais”

Na virada dos 1800 para os 1900, estabeleceu-se uma discussão patética. Que não fazia mais sentido continuar-se fabricando produtos que quebravam, ou, “morriam”, apagavam. Que os produtos tinham o dever e obrigação de durar para sempre. Por um processo de miopia coletiva, durante quase uma década as pessoas se esqueceram das pessoas. De olharem para si próprias, e reconhecerem que os produtos precisavam mudar e evoluir porque as pessoas, que os compram e usam, mudam e evoluem. De qualquer maneira, algumas patetices foram cometidas em nome da vida eterna dos produtos. E o mais emblemático dos produtos representante desse momento segue vivinho da silva e cumprindo sua missão. Uma lâmpada. Isso mesmo, a lâmpada mais que centenária, que recentemente acabou se transformando numa página na internet, permanece acesíssima mais de 120 anos depois, e desde 1901, na unidade do corpo de bombeiros da cidade de Livermore na Califórnia… No dia 18 de junho de 2018, ao completar 117 anos, superou a casa de um milhão de horas acesa! De qualquer maneira, em menos de 10 anos o mundo se deu conta da tolice. Que o sentido da vida, se existe vida, é a evolução. Que o ideal é que a linha de desenvolvimento do mundo fosse sempre ascensional, no médio e longo prazo, independente das crises pontuais. E que se os produtos durassem para sempre, as pessoas não teriam empregos, e, sem ter o que fazer, e, muito provavelmente, passariam os dias brigando… Salta para o ano passado, 2020, e a notícia de que o que sobrou da Duralex – lembram? – ingressando com um pedido de recuperação judicial. A história da Duralex começa numa das empresas com mais de 400 anos de existência, o grupo Saint-Gobain. Que impactada, lá atrás, pela ideia de produtos que jamais quebrassem, desenvolveu um material para fabricação de utensílios para a cozinha que não quebrassem, jamais! E assim nasceram os pratos e as tigelas Duralex. Mas, e para conseguir esse feito, pratos e tigelas Duralex precisavam abrir mão da competitividade e uma série de outros “features” que fazem parte do que as pessoas compram. Muito especialmente, praticidade, design, acessibilidade, beleza, dentre outros. E assim, e aos poucos, e um em território aonde as novidades chegam ao mercado quase que todas as semanas, os pratos e utensílios Duralex foram caindo em decadência, e recebendo o carimbo de produtos pobres e medíocres, ainda que não quebrassem. E aí o Grupo Saint-Gobain reconhecendo a tolice decidiu pular fora do território, e sua subsidiária no Brasil que cuida da Duralex, a Santa Marina, foi comprada pela Nadir Figueiredo, em setembro de 2011. E a Nadir Figueiredo, e como é do conhecimento de todos, a empresa que conseguiu colocar seu legendário copo americano – o rei dos pingados das madrugadas e manhãs, e das cervejas dos finais de tarde em milhões de bares brasileiros – com uma obra de arte e no acervo do Moma – Museu de Arte Moderna da cidade de Nova York, a Nadir Figueiredo foi vendida no dia 12 de julho de 2019, para o private-equity americano, Hig Capital, por R$ 840 milhões. Levando junto o que sobrou do produto que nasceu para não morrer e não quebrar nunca, a Duralex… E meses atrás, e finalmente, o que sobrou da Duralex na França, uma pequena fábrica sediada em La Chapelle-Saint-Mesmin, Loiret, ingressou com pedido de recuperação judicial. Lá fora, a Duralex também passou por um processo de trocas de dono, na medida em que a atratividade de seus produtos despencava num mundo mais que desejoso de novidades. Em 1997, foi vendida pela Saint-Gobin para um grupo italiano, e que, e por dificuldades financeiras, foi reduzindo a produção, e não suportou o empurrãozinho final da Covid-19. É, isso amigos. José Ortega Y Gasset, jornalista e filósofo espanhol, notabilizou-se, dentre outras frases e pensamentos, por dizer um dia, “eu sou eu mais as minhas circunstâncias”, ou seja, dependemos não apenas daquilo que depende exclusivamente de nós, mas de tudo que nos cerca. As tais das nossas circunstâncias. Com empresas e produtos a situação é rigorosamente a mesma. E que traduzo, especificamente em relação aos produtos e serviços que fabricamos e vendemos, é que “somos o que somos e teremos ótimos desempenhos, na medida em que respeitarmos e respondermos positivamente às nossas circunstâncias”. E nossa circunstância essencial, além de tudo o que existe pelo caminho, chama-se cliente. E o cliente, que cada um de nós é, e há décadas deixaram de comprar um produto por sua função específica. E sim, e além de um desempenho de qualidade, por todos os features e values que traz agregado. Design, embalagem, todas as acessibilidades – preço, física, compreensão e entendimento – e claro, e também, desempenho funcional. Isso posto, e como somos vivos, a vida é viva e flui, e as expectativas e desejos evoluem, não existe outra forma de se prolongar a vida de produtos e serviços que não seja o compromisso da permanente atualização, evolução, renovação, inovação. De forma obstinada. O que foi feito para jamais quebrar é um tédio. Não quebra, mas, morre. Vai direto para o cemitério bonitinho e funcionando, e passa a integrar o cemitério dos produtos irrelevantes e perfunctórios. Como acaba de acontecer com a Duralex, e com a única lâmpada que jamais queimou e que vocês podem dar uma olhada pela internet, e depois nunca mais terão vontade de ver uma segunda vez que seja, mesmo continuando acesa e brilhando, porque é um porre, um tédio, uma chatice. Jamais se esqueçam, portanto, dos exemplos da lâmpada de Livermore na Califórnia, e daqueles pratos e travessas tristes e pobres da Duralex… Quase bocejamos…