A nova versão do chamado luto prolongado
Algumas pessoas, poucas pessoas, em situações de normalidade, tinham grande dificuldade de superar a dor da perda de um ente querido. Levavam bem mais tempo que outras pessoas. Estavam dentro da chamada estatística ou curva da anormalidade. Em cada 100 pessoas, duas ou três levavam mais de dois ou três anos para se livrarem do chamado “luto fechado”.
Mas, em situação natural, e dentro da média dos acontecimentos naturais da vida. E aí veio a pandemia, e milhares de mortes não previstas e muito menos com as pessoas ao redor preparadas, aconteceram.
E o impacto dessas mortes fora de hora é muito forte, fazendo com que uma nova manifestação já se registre e de forma consistente. O chamado “luto prolongado”.
Pessoas que perderam seus familiares, amores, amigos, vizinhos, nos primeiros meses da pandemia, em função do Covid e seguem com uma dificuldade muito grande de superar as dores e o sofrimento.
Em muitas situações, as dores não se limitam exclusivamente a uma única perda. Algumas pessoas perderam dois, três familiares, amigos, conhecidos, e a carga e o peso são bem maiores.
A Cláudia Collucci, da Folha foi atrás e colheu depoimentos emocionantes e duros do chamado luto prolongado. Cláudia colheu e relata a situação, por exemplo, do engenheiro agrônomo Ricardo Cruz, 44 anos, que perdeu o pai, o sogro e uma tia em decorrência do Covid. E, ainda, por outras causas, perdeu um irmão e um tio. Cinco pessoas de sua convivência permanente. E Ricardo deu o seguinte depoimento: “Parecia um facão vindo e levando todo mundo. No início segurei a bronca toda, mas minha vida virou de ponta cabeça. Fui piorando, síndrome de pânico, coração disparando, e depressão forte. Não queria nem sair de casa e nem ver ninguém…”.
Um outro depoimento colhido por Cláudia é o da contadora Michelle Bressiani, 36 anos, que perdeu o pai e a mãe por Covid, em 15 dias. Hoje tenta reconstruir a vida com espiritismo e terapia quântica. Mudou-se do apartamento onde morava com os pais por incapacidade total de suportar a ausência física.
Cláudia foi atrás de outros profissionais e ouviu depoimentos da maior importância para nossa reflexão e aprendizado. Da psicóloga Maria Helena Franco, professora da PUC-SP, ouviu uma espécie de alerta. Disse Maria Helena: “A patologização do luto já existe. Tem gente que vê a pessoa chorando a uma semana e acha que tem que prescrever um antidepressivo. É importante acompanhar o processo avaliando não apenas os fatores de risco, mas também fatores de proteção e redes de apoio…”.
Já a psiquiatra Tânia Maria Alves faz outro alerta numa outra direção. Tânia coordena o Laboratório do Luto do IPq – Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Segundo Tânia, “O desafio de se diagnosticar corretamente o luto leva em consideração tanto o tempo, quando a intensidade. Quando se chega a essa conclusão passa a ser chamado e tratado como luto prolongado. Enquanto não recebe essa denominação vai ser diagnosticado com o que a pessoa relatar, tipo, arritmia…”.
Ou seja, amigos, ainda durante algumas décadas, duas no mínimo, seguiremos tratando de todas as sequelas e decorrências da pandemia do Covid-19, ou, a pandemia 2020/2021, de tristes lembranças e amargas e definitivas recordações, para muitos.
Essas pessoas, mesmo com as dores atenuadas, e com o passar dos anos, têm suas vidas marcadas para sempre. E isso precisa ser profundamente considerado no ambiente corporativo, e na formação do capital humano das empresas.