Existe uma distância quase que infinita entre a galera da tecnologia e os demais mortais. A galera da tecnologia convive com a maior naturalidade com as diferentes possibilidades, ferramentas, riscos, e desafios de sua especialização. Os demais mortais, absolutamente ignorantes nesse território, além do que conseguem fazer com seus smartphones, tablets e computadores. E num determinado momento encontram-se. Os demais mortais precisando dos préstimos da galera de tecnologia, que rapidamente ouve, e diz, “é bico…” e mãos à obra!
Em primeiro lugar, a maioria da galera de tecnologia não tem preparo para entender e se sensibilizar com a dimensão total do desafio. Por formação, cultura e cabeça, pensam exclusivamente que é possível chegar-se à solução, como se uma solução restringisse-se a entregar um aplicativo, uma plataforma, dar bom-dia, agradecer, e dar as costas. Literalmente, ignoram todas as componentes humanas e culturais da empresa cliente. Entregam o combinado, e… Adeus.
Nos últimos 20 anos, nós, consultores de empresas, testemunhamos os desencontros entre as pessoas comuns e a galera da tecnologia. Ouvimos discursos e apresentações mais que convincentes, que as pessoas comuns mesmo não entendendo absolutamente nada e mais pela vergonha de alegarem ou demonstrarem ignorância, acabavam confirmando, sorrindo, aquiescendo. E num determinado momento, compravam os serviços.
Em poucos meses, o produto ‒ plataforma ou aplicativo o programa ‒ estava entregue, os humanos treinados especificamente em como fazer aquela traquitana funcionar, mas sem terem parado para aferir as implicações da novidade no conjunto e na cultura da empresa. Meses depois que a galera da tecnologia partia, muitas das empresas continuavam absolutamente estáticas, perdidas, sem ter a menor ideia como integrar a nova ferramenta à velha cultura prevalecente na empresa, e, pior ainda, tendo descontinuado parcela ou a totalidade das atividades que garantiram à empresa em todos os seus anos de vida, um mínimo de controle.
Algumas empresas, que nos chamaram para algum tipo de solução, naufragaram tragicamente por não terem se preparado, nem mesmo terem sido alertadas, sob os riscos inerentes a todos os processos de troca de sistemas, plataformas, hábitos e costumes.
De uns tempos para cá, empresas devastadas pela ação ‒ não chegaria a dizer irresponsável, mas inconsequente e descompromissada das empresas de tecnologia que contrataram ou compraram suas plataformas, conhecimento e serviços, e diante do naufrágio, decidiram chamar seus prestadores de serviços à Justiça.
Há dois anos, ganhou enorme repercussão a acusação que a quase definitivamente quebrada Saraiva, fez a seus fornecedores de tecnologia SAP e Infosys. Além de apontar os dedos, denuncia a suposta irresponsabilidade das duas empresas de quem compraram os direitos de uso de um software mais a implementação, por “crime de implementação desastrada”.
No processo a Saraiva diz ter comprado, induzida que foi, um software “muito além das necessidades”, todo esse erro agravado pela “desastrada implantação da Infosys que praticamente paralisou o funcionamento da Saraiva por um período de no mínimo 60 dias…”.
Repetindo, amigos, e como consultores, já testemunhamos essa mesma situação diversas vezes. Empresas que nos chamaram absolutamente perdidas porque agora tinham o novo e espetacular software que não conseguiam usar, e, confiantes nas promessas dos fornecedores que tudo daria certo, destruíram os sistemas e procedimentos antigos que fizeram com que a empresa crescesse e prosperasse durante décadas. Pelas licenças do software, e através de leasing financeiro, a Saraiva pagou R$16,2 milhões. Já para a implantação pagou R$50,5 milhões a Infosys… E ainda mais R$14,4 milhões pelos serviços de gestão.
60 dias são suficientes para desestabilizar, para destruir uma empresa? Se a situação da empresa é normal ou próspera, provavelmente não, mas, se já vem em crise, pode ser fatal.
Em sua ação na Justiça a Saraiva diz, “O trabalho de implementação foi um desastre… Equipe sem nenhuma experiência em organizações de varejo… O sistema operacional ficou paralisado pela impossibilidade de integração com o sistema antigo… Assim não se conseguia emitir notas fiscais, vendas interrompidas e perdidas, pagamentos não realizados, vendas suspensas, centros de distribuição mergulhando no caos…”.
Conclusão, diz a Saraiva, que recorreu aos serviços de auditoria para comprovar a barbaridade, “Erros crassos foram constatados, etapas foram puladas… E, por decorrência, e sem perspectivas de solução pela frente… A Saraiva foi obrigada a voltar ao sistema antigo…”.
É isso, amigos. Todos correndo, com sensibilidade e juízo em direção ao futuro. Mas sob rigoroso e competente planejamento. Prevenindo-se de que o suposto remédio ou aditivo, converta-se ou revele-se um veneno.
Mais que na hora da galera de tecnologia descer à terra e falar a linguagem dos homens.
A responsabilidade da comunicação é de quem fala…
Sempre!